O que é o arco-íris?
Por que tem essa forma e essas cores? Por que aparece depois das tempestades
sempre em frente ao Sol?
Há muito tempo o ser humano busca respostas
para compreender os fenômenos da natureza. Nos tempos primordiais atribuíam a
esses fenômenos causas divinas, quase sempre sinais enviados aos homens por
Deus ou pelos deuses. Segundo a Bíblia, o arco-íris é uma manifestação da
tolerância divina diante da insensatez humana. Segundo uma antiga lenda, havia
na sua extremidade inalcançável um pote de ouro.
Com o tempo o ser humano percebeu
que os fenômenos da natureza ocorrem nas mesmas condições e têm as mesmas
características. Não há arco-íris sem sol e sem chuva, e suas cores são sempre
as mesmas. Essa regularidade o levou a encontrar para esses fenômenos causas
não divinas; assim surgiu a ciência, ou melhor, surgiram as ciências.
Para a física, o arco-íris resulta
da dispersão da luz branca do Sol ao incidir na cortina de água formada pelas
gotas de chuva. Mas essa ciência, como todas as outras, ainda está muito longe
de explicar todos os fenômenos. Ainda estamos muito longe do ideal perseguido
por muitos cientistas, sobre tudo do fim do século XIX, que buscava na ciência
todas as respostas, tornando dispensável qualquer ligação da natureza a causas
divinas.
1.
Profecias e previsões científicas: magia e ciência
“Em 1896 há de rebanhos mil correr da praia
para o sertão; então o sertão virará praia e a praia virará sertão.” Assim
Euclides da Cunha, autor de Os sertões, narra uma das muitas profecias de
Antonio Conselheiro, beato, misto de sacerdote e chefe de jagunços, que, no fim
do século XIX, liderou cerca de 3 mil sertanejos que viviam em Canudos, arraial
ao norte da Bahia, até serem massacrados por tropas do governo federal.
De
onde Antonio Conselheiro tirava suas profecias? Qual a diferença entre profecia
e previsão científica? Essa é uma das primeiras noções que devem estar muito
claras para qualquer pessoa que se interesse por ciência ou pretendia se dedicar
à carreira científica.
Às
vezes essa diferença parece óbvia, pois algumas profecias expressam ideias
absurdas ou mirabolantes, mas não é esse aspecto que as diferencia das
previsões científicas – muitas previsões científicas também podem parecer absurdas
ou mirabolantes.
Antonio Conselheiro e o físico alemão,
naturalizado norte-americano, Albert Einstein (1879-1955) fizeram previsões
utilizando diferentes formas de descrever a natureza. Einstein teve inúmeras
comprovações científicas de suas previsões e, de certa forma, também Antonio
Conselheiro – Canudos está hoje submersa no “mar” da barragem da Cocorobó.
A
primeira diferença é a origem das profecias. Em geral, elas são formuladas ou
reveladas por alguém que se diz escolhido por um ser superior para essa missão.
Não cabe discuti-las nem prová-las; são objeto ou dogmas de fé.
A
segunda é que, para as profecias, a possibilidade de comprovações ou
contestações é muito reduzida. Se o profeta é mesmo um intermediário entre
alguma divindade e o ser humano, se as revelações são falsas ou verdadeiras,
dificilmente será possível saber.
Em
ciência não há intermediários nem revelações, embora o papel de indivíduo, sua
genialidade e criatividade sejam fundamentais. No entanto, é impossível alguém
que não saiba física, por exemplo, formular uma lei física – seria o mesmo que
escrever uma frase ou poesia em uma língua que não se conhece.
A
ciência é uma construção humana e qualquer passo adiante só pode ser dado por
quem já percorreu ou conhece os anteriores. Todos os grandes cientistas, em
qualquer época, só foram capazes de contribuir de forma relevante por que
conheciam a fundo a ciência com que trabalhavam e a ela se dedicaram
intensamente.
Outra
diferença entre profecias e previsões cientificas está ligada ao objetivo da
ciência. Esta busca compreender a natureza e interagir com ela; portanto,
precisa ser eficiente, seus princípios e leis devem funcionar. Isso obriga os
cientistas a verificar a validade de suas previsões e comprová-las
experimentalmente, reformulando ou rejeitando as teorias ou hipóteses cujas
previsões não se ajustam aos fatos.
Além
disso, à medida de o ser humano aprofunda o seu conhecimento da natureza,
torna-se necessário aprimorar o saber científico, o que exige contínua
atualização e reformulação dessa forma de conhecimento. Por essa razão, a
ciência não tem verdades definitivas ou dogmas. Todas as teorias e leis e todos
os princípios científicos são provisórios, valem durante algum tempo e em
determinadas condições.
Uma
última e importante diferença entre profecias e previsões científicas está na
linguagem em que elas são enunciadas. Em ciência, as palavras devem ter um
significado preciso, restrito, não podem dar margem a diferentes
interpretações. Nas profecias ocorre o oposto. Elas são expressas com palavras
ou frases carregadas de símbolos, de múltiplos sentidos, de metáforas. Como
saber o que de fato Antônio Conselheiro pretendia dizer? A praia e o sertão
trocariam de lugar literalmente? Uma represa cobriria sua aldeia, como de fato ocorreu?
Ou os oprimidos sertanejos que o seguiam se libertariam de seus coronéis
opressores, em uma simbólica pregação revolucionária?
Por
essas considerações, talvez fôssemos tentados a concluir que só as previsões
científicas merecem crédito, o que seria um equivoco. A ciência tem métodos
para a busca do conhecimento que exigem contínuo aprimoramento, mas esse
processo não garante que ela chega a algo que se possa chamar de verdade.
Embora
avance de forma notável, o conhecimento cientifico ainda está muito longe de
oferecer ao ser humano respostas a todas as suas indagações básicas, como o
porquê e o para que da sua própria existência. A física afirma que partículas
com cargas elétricas de mesmo sinal se repelem e de sinais contrários se
atraem, mas não se explica por que isso ocorre.
Há
pouco mais de um século, grande parte da comunidade científica chegou a pensar
que o conhecimento de todas as leis da natureza estava muito próximo de ser
alcançado. Mas a própria ciência lhe apresentou novas e intricadas questões,
mostrando que a natureza era muito mais complexa do que se imaginava.
Hoje,
a única certeza é que em ciência não há certezas. Por isso o ser humano utiliza
também outras formas de conhecimento, segue suas intuições, seus profetas, seus
mitos, suas religiões. No entanto, desconhecer a ciência é desconhecer grande
parcela de todas as conquistas do ser humano desde o seu surgimento neste
planeta.
2.
A física: uma construção humana
As
origens da física remontam à Pré-História, quando, ao contemplar o firmamento,
o homem primitivo percebeu o Sol, a Lua e as estrelas descreviam movimentos
cíclicos, como se todos estivessem incrustados em uma grande esfera girante – a
esfera celeste. A duração do dia e do ano, as estações e a melhor época para
plantar e colher foram as primeiras aplicações da ciência visando à melhoria da
vida cotidiana.
Essa
física primitiva não se chamava física nem eram físicos os que formularam suas
idéias iniciais. Eram sacerdotes, profetas, magos, pessoas que muitas vezes, em
meio a rituais e invocações místicas, faziam recomendações, profecias,
previsões, elaboravam remédios e poções mágicas. Embora carregadas de
misticismo e magia, essas atividades propiciaram o conhecimento dos primeiros
princípios e das leis científicas. Mas não se pode dizer que esses sacerdotes e
magos eram cientistas nem que o que faziam pudesse ser chamado de ciência.
Como
a conhecemos hoje, a ciência iniciou-se bem mais tarde, com os filósofos
gregos, quando o sobrenatural deixou de ser invocado na explicação dos
fenômenos da natureza. Para aqueles filósofos, fenômenos como o arco-íris ou os
raios e os trovões deveriam ter causas naturais; não seriam mais fruto da
benevolência ou da ira dos deuses.
Assim,
aos poucos, religião e ciência começaram a separar-se como formas diferentes de
abordar e entender a natureza. E a ciência também foi se dividindo – e continua
a dividir-se – em áreas específicas do conhecimento. Surgiram a matemática, a
física, a química, a biologia, a geologia, a ecologia e muitas outras.
Como
ramo independente da ciência, a física começou a surgir a partir do século XVII
com cientistas como Kepler, Galileu, Newton e muitos outros. Eles formularam
princípios e leis, fizeram observações sistemáticas, verificações experimentais
e, sobretudo, escreveram e publicaram suas idéias e resultados.
Mais
importante que o papel desses cientistas foi a criação de academias ou
sociedades científicas na segunda metade daquele século. Surgidas na Itália, na
Inglaterra e na França, essas entidades passaram a reunir cientistas e a
publicar os seus trabalhos. A partir de então, academias e sociedades
científicas foram sendo criadas em inúmeros países, nas mais diferentes áreas e
subáreas das ciências.
Atualmente
essas sociedades, de certa forma, oficializam e cuidam das ciências às quais se
dedicam. Comparando, podemos dizer que elas exercem um papel semelhante ao das
associações esportivas, regulamentando e cuidando do cumprimento de suas
regras. Embora a física, como toda ciência, não tenha regras como um esporte,
ela tem um corpo de conhecimentos aceitos consensualmente pelo conjunto dessas
associações. Dizer que uma afirmação está errada do ponto de vista da física
não significa que ela contraria a natureza, como algumas pessoas ingenuamente
pensam. Significa apenas que essa afirmação não está de acordo com as idéias da
física, homologadas por essas associações. Se alguém disser que “a luz é
formada por jatos de microestrelas”, essa afirmação não será aceita por essas
associações; será considerada não-científica e contrária às leis da física. O
que não quer dizer nada que a luz não possa ser formada por “jatos de
microestrelas”, mas que essa não é a concepção atual dos físicos para a
natureza da luz.
Além
disso, as concepções dos físicos a respeito dos fenômenos naturais sofrem
reformulações ao longo do tempo. Do fim do século XIX ao início do século XX,
houve mudanças revolucionárias na forma de a física entender a natureza. Essas
reformulações ocorrem sempre que a própria comunidade científica se mostra
insatisfeita com as leis e as teorias que a física estabelece para explicar
determinados fenômenos, quando essas leis e teorias falham em suas previsões ou
não prevêem os fatos como são observados experimentalmente.
3.
Como a ciência funciona
Embora seja comum falar em um método
científico, composto de uma série de procedimentos que possibilitariam novas
descobertas, é pouco provável que alguma descoberta científica o tenha seguido
com rigor.
A idéia de que hipóteses e teorias
surjam da observação dos fatos ou da experimentação não é verdadeira. Que
fatos? Que experiências? A seleção de determinados fatos ou a realização de
determinadas experiências indicam que, na verdade, as hipóteses e as teorias a
investigar já existem. Em outras palavras, as experiências são feitas ou os
fatos são observados em razão de alguma hipótese teórica previamente formulada.
Dessa forma, uma nova teoria pode
dar a um fato cientificamente corriqueiro, uma importância excepcional.
4. Aplicações tecnológicas
As aplicações tecnológicas da física
se multiplicam vertiginosamente, e pode-se dizer que não há campo da atividade
humana em que ela não influa de modo decisivo nos dias de hoje. Ela está
presente:
§
nas diferentes
formas de geração e transmissão de eletricidade, nossa principal fonte de
energia;
§
nos transportes,
na concepção de motores e turbinas de todos os veículos automotores, assim como
na forma desses veículos;
§
nas
telecomunicações e na eletrônica, na transmissão de dados, mensagens e imagens.
A criação de novos materiais possibilitou a confecção de transistores,
circuitos integrados, chips e dezenas de diferentes equipamentos eletrônicos,
do telefone celular aos relógios e computadores, que modificaram radicalmente a
vida na Terra.
As
aplicações da física revolucionaram também a medicina e a própria pesquisa em
física, criando novas técnicas, novos instrumentos e novas máquinas, ampliando
de forma extraordinária nossa capacidade de fazer diagnósticos e descobrir a
estrutura íntima da matéria.
5. Concluindo: o que é física?
Até aqui procuramos distinguir a
ciência de outras formas de conhecimento, incluindo a física no rol das
ciências. Expusemos algumas idéias básicas, como modelos, princípios, leis e
teorias básicas, e o papel das associações na formação da comunidade científica
e na gestão dos diversos ramos das ciências. Relacionamos algumas aplicações em
relação às inúmeras indagações existenciais do ser humano. Mas não dissemos o
que é física.
Como para a maioria dos seus
conceitos, é muito difícil dizer o que é essa ciência. A palavra física vem do
grego, physiké, que significa “ciência das coisas naturais”. Mas essa é uma
denominação relativamente recente. Como dissemos, até o início do século XVII,
a física estava incluída em uma ciência mais abragente, chamada filosofia da
natureza, que abordava praticamente todos os fenômenos da natureza. Mais tarde
surgiram a física e a química, ciências da natureza inanimada, dedicadas aos
fenômenos físicos e químicos. Aqueles seriam os que não modificam a natureza
das substâncias, e a física seria a ciência que estudo esses fenômenos. A
química seria a ciência que estuda os fenômenos químicos, aqueles que modificam
a natureza das substâncias.
No entanto, desde o fim do século
XIX, com a descoberta da radioatividade e, mais tarde, com o advento da física
moderna, verificou-se que são inúmeros os fenômenos físicos em que a natureza
das substâncias é modificada. Por tanto, aquela distinção – e a definição de
física dela decorrente – perdeu o sentido.
A rigor, não há definição do que é
física. O dicionário Aurélio, por exemplo, afirma: “física é uma ciência de
conteúdo vasto e fronteiras não muito definidas”. Na verdade, não se trata de
uma definição, mas da justificativa da impossibilidade de uma definição.
Se defini-la não é possível,
conhecer os seus princípios, suas leis, sua história e suas aplicações é uma
tarefa viável. E saber tudo isso é saber o que é física, seja lá qual for a sua
definição.
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